terça-feira, setembro 12, 2006

Recato

"O mundo é muito mais água
Do que eu posso beber"
Nando Reis, O Meu Posto.

Bela música. Na verdade, meio baladinha, mas bonitinha, e com uma letra realmente bonita. Tem uma outra parte da letra:

"Não te vejo a metade
Do quanto quero lhe ver"

Diria que nao tenho metade do mundo quanto eu quero ter. Ou melhor, não tenho com metade do mundo. E, com o mundo, perco a fala, a ação. Magoado com ele, perco o sorriso, esboço aquele Gioconda, amarelo, como aquele que não consigo ficar sério, nem tão pouco sorrir, gargalhar. Magoado, é como se fosse a vergonha.

Não magoado, simplesmente gargalho. Ou sorrio. Até aquele sorriso insosso. Aquela falta de vergonha.

E como se o mundo pedisse calma, e a calma fosse minha menor das qualidades, ou melhor, a impulsividade o maior dos defeitos... E o mundo assim pedindo recato, querendo não ser violentado.
Acabo de olhar no Aurélio o significado de recato. Vi dois que me chamaram a atenção.
"1. Cautela, prudência, resguardo. 2. Modéstia, simplicidade. 3. V. pudor (2). 4. Lugar escondido, retirado; recolhimento. [Var.: recado2.]"
O mundo pedindo a modéstia e o meu recolhimento, diria. Mas não. Não posso ou não quero.

Mesmo diante da maior mágoa, não me nego ao mundo. E, me expondo, me arrisco à dor, frequento os lugares, olho as pessoas, faço as perguntas ridículas e me arrisco sempre ao sussurro do mundo:

"- Calma, que mordo..."

E o mundo sempre morde, assopra, indiferenta-se, beija, acarecia, diferencia.

E sempre, depois de uma mordida, maldigo-me, quando recolhido, a falta de recolhimento. Soprado, espero sempre ver outro mundo, Bendigo-me, expansivando-me, a falta de recolhimento.

Enfim, não tenho o menor conserto, só tenho concerto...

3 comentários:

A Photografia disse...

Ouuutimo! Muito bem dito!
.
Eu amputo varias partes de minha pessoa , todos os dias,qando vejo o Mundo. Quando me vejo diante dele. Hora me acho uma inutil, placida, gorda ,acomodada, conivente.Hora me acho uma infeliz, infantil, sonhadora. Vivo nessa loucura, sem me encontrar, sem encontrar qualquer atitude, e realmente me tornando placida, gorda, inutil, pois ate inuteis tem mais atitude. Pra remediar eu choro e vomito, enquanto vejo,no jornal,alguns indiozinhos morrerem de fome.
.
A cidade de minha mae tem apenas 50 mil habitantes, esta crescendo, evoluindo. Minha mae esta abrindo uma loja no mais novo shopping da cidade, o unico. A cidade de apenas 50 mil habitantes ganhou moradores de rua e urubus de fralda, que comem os restos do lixo do Palace.

Anônimo disse...

Olá Ramiro

Gostei do seu blog, li alguns posts anteriores e percebi que vc tem um gosto refinado para cultura, isso é muito bom em épocas de domínio pop rsrs

Gosto do Nando Reis, bom letrista, um dos geniais da sua geração

Achei bacana o jogo de palavras que você usa, essas ambigüidades deixam o texto mais interessante.

É isso, um abraço

A Photografia disse...

Grata!